#Nota9 – 06/06/2017
Resolvemos não almoçar mais. Nossa estratégia agora é tomar um bom café da manhã por volta das 9 ou 10 horas no Café Soma e depois seguir para cumprir nossa agenda do dia. Hoje, dia 29/05, é segunda-feira e nosso plano é visitar a casa do Oscar e da Vera. Este casal de brasileiros tem algumas peculiaridades interessantes:
– Já são idosos (ela tem 68, ele 72) e experimentaram um tipo de “chamado tardio” após chegarem à aposentadoria. O chamado foi tão real que eles decidiram estudar na JOCUM (Jovens por Uma Missão) e servirem a Deus aonde ele quisesse enviá-los. E Deus os trouxe ao Nepal. – Estão no Nepal há 5 anos e meio, sem cobertura de nenhuma agência missionária e dependendo da renda mensal da aposentadoria e de ofertas específicas. – Vivem em uma casa grande com duas moças e 7 meninos (eram 8, mas um deles voltou para a casa da sua família). As moças são funcionárias e os meninos são nepaleses acolhidos por Vera e Oscar. – Nenhum deles tem estudo completo. Vera só tem o primário, mas é cheia de convicções e paixão. Oscar é cabo reformado do Exército por ter perdido três dedos limpando um canhão.
Casa dos Meninos Cada menino tem uma história e vem de uma família desintegrada. Um vivia nas ruas de Katmandu. Sua mãe é prostituta e seu pratica roubos e furtos. Outro tem mãe alcoólatra. Outro não tinha mais pai, e a mãe estava quase morrendo de tuberculose quando encontrou o casal brasileiro.
Casa menino tem uma habilidade própria. Dois aprenderam rapidamente violão. Outro está aprendendo bem o português. Um quer ser pastor. Outro piloto de avião. Outro consegue consertar tudo com facilidade. Um tira sempre as melhoras notas na escola. Outro leva jeito para os esportes. Assim Oscar e Vera os enxergam.
A “Casa dos Meninos” não tem jeito de projeto social. É uma residência grande de uma família grande. Os meninos têm bolsas de estudo no “Shristi Gyan Secondary School” – escola fundada e mantida pelo projeto “Meninas dos Olhos de Deus”, também liderado por brasileiros. Aqui eles se alimentam, aprendem tarefas bem práticas, têm responsabilidades, têm rotina diária e – talvez o mais importante – encontraram referências familiares e de vida.
A visita Chegamos na casa de Oscar e Vera no meio da tarde diante do calor característico de Katmandu. Fomos recebidos com abraços e nos sentamos em uma roda de cadeiras no quintal da casa. Vera é quem inicia a conversa; depois ouvimos também Oscar. Entre uma pergunta e outra, eles falam de cada menino com um carinho comovente e com uma responsabilidade evidente. De pais para filhos. Ou de avós para netos. Os meninos conhecem muito pouco do português e, por isso, não participam muito da conversa. Mas isso não nos impede de brincar com eles. Sheder é daqueles que conquista rapidamente as crianças, dá um jeito de inventar brincadeiras para prender a atenção delas. Paulinho também costuma tê-las ao seu redor, puxa assunto mesmo que não entenda a língua delas.
Por que iniciar um projeto com apenas oito crianças? Vera e Oscar revelam qual sua convicção mais específica. Acreditam que Deus os chamou para preparar oito meninos nepaleses como líderes (creem que o oitavo que foi embora, voltará). Com isso, não somente promovem o bem-estar material e social dos meninos, mas também querem ajudá-los a superar as limitações de sua origem: eles são considerados inferiores porque vêm de castas mais baixas, e com isso dificilmente conseguiriam superar os obstáculos sociais que o sistema religioso os impõe. Vera e Oscar querem dar a estas crianças oportunidades, sem duvidar de que Deus pode torná-los homens de referência para a sociedade nepalesa.
Para isso, fazem o que todo pai deveria fazer: cuidar e amar. E querem fazer o que todo cristão também deveria fazer: discípulos.
A conversa não para e o tempo vai seguindo. Vera e Oscar falam de seus três filhos e dos netos. Um deles mora em Orlando, nos Estados Unidos. Falam também de como Deus os chamou para servi-lo. Nunca se contentaram com a passividade. Se podem servir, por que não? Moraram em Maringá (PR) na primeira década do ano 2000 e lá iniciaram trabalhos sociais, como ajudando a organizar uma cooperativa de catadores de material reciclado.
Eles nos servem doces e quitutes típicos do Nepal. Lamentam: “Se soubéssemos que viriam mais pessoas, teríamos preparado um almoço”. Não tem problema, dizemos.
Conhecemos cada compartimento da casa. Em cima, moram as duas funcionárias e dormem os meninos. Embaixo, Vera e Oscar.
O desafio mais urgente é transformar a iniciativa em uma ONG, por exigência do governo. Ainda não sabem muito bem como fazer. Outro é conseguir mais um casal para ajudá-los, já que Oscar e Vera já são idosos.
Vera, como enfrentar tantos desafios?
“Gosto de desafios. Não quero uma vida sem desafios”.
Vera, como ter certeza do que está fazendo?
“Eu nunca teria capacidade de pensar estas ações se não tivesse certezas de que é Deus quem está nos falando”.
Oscar fala menos, mas não é menos apaixonado pelo que faz. Se orgulha em ensinar os garotos a realizar tarefas.
Lembra dos abraços que recebemos quando chegamos? Isso não é comum aqui no Nepal. Criança não recebe abraço. “Isso é coisa de brasileiro: trazer não somente o amor de palavras, mas de gestos”, disse Vera.
A visita termina. Nos despedimos com o carinho típico dos brasileiros.
Já não pedalamos há dois dias. Mas isso não nos preocupa. Viemos a um país hindu pedalar e entregar Bíblias. Mas descobrirmos que, na verdade, viemos aprender a ser cristãos.
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